Esse lindo texto, escrito em 1920, pela minha querida avó, Lilita, quando ainda solteira, mostra que a aptidão de muitos de seus descendentes para as letras, de uma forma ou de outra, vem do sangue, vem também da marca dessa mulher fabulosa e extremamente carinhosa, que foi pra um lugar muito especial em 1982.
Alnary Rocha
Lembro-me como se fosse hoje: a manhã floria, num desabrocho esplêndido, quando saltei do leito naquele dia remoto.
Corri e contemplei-a, num doce embevecimento.
A luz ria, a luz cantava, num triunfo glorioso, sobre os horizontes...E o ar parecia de veludo, macio e suave, tão suave como uma carícia!
Nunca mais poderei esquecer a música sonora das aves, que tinham revôos bruscos, num desvairamento de asas...
As laranjeiras, como noivas felizes, toucadas pelo esplendor das flores, pareciam envoltas em túnicas de neve e trescalavam, embalsamando os ares, o aroma inefável das suas guirlandas níveas...
As gotas de orvalho, tombando-lhes cristalinas e puras caindo sobre um túmulo querido.
Mas, apesar da beleza universal das cousas, como tudo era triste, para mim...na vitalidade heróica da manhã! O vento leve, num sussurro melífluo, arrebatava as pétalas das rosas rescendentes, como se as conduzisse para a tua amada sepultura.
O azul do céu sorria para a vida triunfante da terra, mas dir-se-ia ter bênçãos principalmente para os mortos...
Na sua olímpica formosura, era como uma ironia sardônica para quem perdera os carinhos preciosos do melhor dos pais, como a eu me sucedera.
Súbito, numa evocação involuntária e nítida, desenhou-se-me ante os olhos a tua imagem tutelar, ungida da bondade que te era inerente, amorosa e calma, como se houveras regressado do Eterno Reino, entre fundos suspiros, os olhos se me enevoaram de lágrimas, toda empolgada pelo mistério da saudade, lancinante e imensa, paizinho, de quando te encontravas ao meu lado, afetuoso como um amigo e assisado como um mestre...E já quantos anos são decorridos!
Ao ver esfumar-se em meus devaneios o teu vulto amigo, orei, contrita, cabisbaixa, por momentos, e reconfortada voltei para casa.
Adeus, paizinho. Espero que nos encontremos algum dia lá onde hoje repousas, para fruirmos a ventura de perpétuo convívio.
Certo de que nunca deixarás de velar sobre a tua pobre filhinha, entre os rudes espinheiros da terra, ela que tudo faz para merecer-te o amor, abraça-te e beija-te carinhosamente.
Teixeira Soares, 13 de setembro de 1920.
LILITA NUNES
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