terça-feira, 15 de maio de 2007

MITO FUNDADOR DO BRASIL - Marilena Chauí


MARILENA CHAUI


Relendo algumas obras, encontrei um livrinho fino da grande autora Marilena Chauí, onde ela faz uma profunda análise da construção ideológica da personalidade do povo brasileiro, quando da idéia de se comemorar os 500 anos da “descoberta do Brasil”. Mesmo já passados 6 anos, o texto se mantém atual e nos faz refletir a respeito de nós mesmos enquanto povo, nos mostra as nossas contradições e muito apropriadamente desmascara a idéia de que “as coisas são assim mesmo” ou “essa é a vontade de deus”, declara o nosso conformismo e a impotência de nossas indignações, corrompidas por essas mesmas idéias.
Abaixo tem apenas um fragmento, uma idéia geral, mas o bom mesmo seria que se lessem as 103 páginas de sua obra.

Alnary Rocha
18/01/2007

““É comum ouvir dizer que o Brasil é uma terra abençoada por Deus, com uma riqueza natural sem igual. Por outro lado, historicamente, os recursos do nosso território pouco beneficiaram a maioria da população, ficando os frutos de sua exploração na mão de poucos.
Costuma-se também elogiar o povo brasileiro pela sua simpatia e criatividade, assim como pela riqueza da nossa cultura popular, baseada na combinação de elementos brancos, negros e indígenas. Infelizmente, não podemos esquecer que o “encontro” destas três raças foi marcado pela exploração e pela violência, por meio do extermínio, da usurpação das terras nativas e da escravidão.
É bom que saibamos que o Brasil não estava “deitado eternamente em berço esplêndido” à espera de Cabral para ser “descoberto”. Sem dúvida, uma terra ainda não vista nem visitada estava aqui. Mas Brasil é uma invenção histórica e uma construção cultural. O Brasil foi instituído como colônia de Portugal e inventado como “terra abençoada por Deus”, à qual, se dermos crédito a Pero Vaz de Caminha, “Nosso Senhor não nos trouxe sem causa”.
A construção e o desenvolvimento dessa idéia, segundo Marilena Chauí, constitui o Mito Fundador do Brasil. Uma representação ideológica que serve aos interesses dos que mandam e sempre mandaram em nosso país. Uma idéia que permite, por exemplo, a alguém afirmar que os índios são ignorantes, os negros são indolentes, os nordestinos são atrasados, os portugueses são burros, as mulheres são naturalmente inferiores, mas, simultaneamente, declarar que se orgulha de ser brasileiro porque somos um povo sem preconceitos e uma nação nascida da mistura de raças. Alguém pode dizer-se indignado com a existência de crianças de rua, com as chacinas dessas crianças ou com o desperdício de terras não cultivadas e os massacres dos sem-terra, mas ao mesmo tempo, afirmar que se orgulha de ser brasileiro porque somos um povo pacífico, ordeiro e inimigo da violência. Em suma, essa representação permite que uma sociedade que tolera a existência de milhões de crianças sem infância e que, desde o seu surgimento, pratica o apartheid social possa ter de si mesma a imagem positiva de sua unidade fraterna.””

Enquanto realmente não tivermos uma consciência do que somos, sem os disfarces convenientes que mantém a realidade como está, não poderemos evoluir enquanto povo, como também ficaremos sempre a mercê de pseudos “salvadores da pátria”.



CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. Coleção História do Povo Brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

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