quarta-feira, 5 de março de 2008

PESQUISA PELA VIDA - autoria própria


Nos anos 1980, um livro muito bom, com uma linguagem descolada e jovem, extremamente moderna pra época, foi indicado como leitura para os vestibulares de 1984, 1985, 1986 e 1987, fez enorme sucesso nesse País de mínimos leitores, esse livro é o grande Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva, que conta o seu drama pessoal, quando aos 18 anos de idade após um mergulho num lago muito raso, bateu a cabeça numa pedra do fundo e fraturou uma vértebra logo abaixo do pescoço que o deixou tetraplégico. Numa mistura de herói teen com anti-herói clássico, ele conta com maestria suas relações com amigos, namoradas, faculdade e luta política em flash back, mostra seu lado humano, suas fraquezas, suas vontades, seus sonhos e planos, suas saudades do pai “sumido” pela ditadura militar brasileira, seu gosto musical, entre outros elementos, que o fez ter uma imediata identificação com os jovens da época, eu inclusive. Mas sobretudo, a sua infinita agonia e tristeza por ter seus sonhos interrompidos, ver o futuro planejado evaporar na sua frente, a raiva para com Deus e “...seus representantes aqui na terra...” (sic), e muito claramente o seu desconsolo pela ciência médica não ter ainda um remédio para o seu problema, que ele brilhantemente mostra ser um problema de milhares de pessoas, pessoas que ele só percebeu a existência por ter agora os mesmos problemas, a deficiência física, ou, politicamente correto, “portadores de necessidades especiais”.
Hoje, 05 de Março, o Supremo Tribunal Federal decidirá pela constitucionalidade ou não das pesquisas com células-tronco. Um tema polêmico. Polêmico por que?
Nesse país de milhões de iletrados na mesma proporção de milhões de fanáticos religiosos (fanáticos quando convém, diga-se de passagem), a igreja católica principalmente e suas bancadas (cambadas?) de políticos, entre outros, criaram essa polêmica, recheada de falta de informação, conveniente para o “rebanho” ou informação parcial, que forma uma opinião confusa, sem base para discussão. Não, dessa vez não vou “meter o pau” na Globo, que até onde eu vi foi o mais isenta possível, dentro de sua ótica, claro!
O problema é que a explicação científica, que é realmente importante, não chega ao ouvido povo, que com toda a propaganda medieval da igreja, já teria extrema dificuldade de entender, mas que com a gritaria insana de tanto político que agarra uma bandeira apenas por morar no “maior país católico do mundo” e pretende com isso garantir eleitores, não ouve mesmo, não houve informações importantíssimas, como a de que as pesquisas serão feitas com embriões inviáveis, ou seja, embriões que mesmo transplantados para um óvulo não gerarão uma criança, e mais do que isso, que essas pesquisas são a esperança de milhões de brasileiros portadores de necessidades especiais, dos que sofrem de outros males como as doenças degenerativas do cérebro, diabetes, câncer, entre tantas outras.
O Brasil tem uma legislação muito boa, permite as pesquisas, mas não permite a clonagem terapêutica, na minha opinião, uma lei equilibrada, não fere a ética, não “brinca” de Deus e coloca o País na vanguarda mundial da ciência médica.
É preciso que se mantenha a constitucionalidade dessas pesquisas. É preciso que os governos, esse e os próximos, se preocupem com o nível de informação que nosso povo recebe e através de quem recebe. Sim! Eu sei! Liberdade de expressão! Sim, sim, sim! Numa democracia devemos deixar os imbecis gritarem, está bem! Mas temos de fazer com que nosso povo entenda que a ciência não é inimiga de Deus, até por que Deus não é propriedade de nenhuma igreja, e se ele deu inteligência para o homem e a mulher salvarem seus semelhantes através de descobertas e pesquisas científicas, isso é sua vontade e sua manifestação.
O que a igreja faz pelas pessoas que sofrem dos males que essa pesquisa pode beneficiar? O que a igreja faz para amenizar a fome das crianças que nascem aos milhares devido a proibição da camisinha e de outros métodos anticoncepcionais? Com o que a igreja contribui, de verdade?
Vão falar das caridades, das entidades, sim, sim, eles têm algumas sim, ajudam algumas pessoas sim, não nego, mas estou falando de um bem permanente, alguma coisa que a igreja pode fazer com os bilhões do Banco do Vaticano, ou os outros bilhões das igrejas evangélicas, arrecadados pela fé das pessoas, das mesmas pessoas que deixam sofrer e morrer pela ignorância religiosa pregada, que apenas favorece seus príncipes e chefes.
Eu iniciei contando sobre um livro da década de 1980, para poder falar que a ciência precisa estar amparada na Lei, para que possamos salvar vidas e quem sabe regenerar milhares de brasileiros e brasileiras que como o Marcelo Rubens Paiva tiveram seus sonhos interrompidos, bem como todos os que sofrem de doenças que precisam desesperadamente de esperança. Se a igreja se autopromove como a dona da esperança de seus fieis, que então não seja quem tire a esperança de outros fieis, fieis na vida, em Deus e na Ciência.

Alnary Rocha
05/03/2008